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A ESCOLA

COISAS DO ARCO DA VELHA 

 

As Escolas Primárias e respectivos recreios eram separados, uma para os rapazes, outra para as raparigas, e serviam toda a Freguesia, ou seja, havia apenas uma Escola Primária, situada ao fundo da Avª da Bela Rosa.

 

Apenas no primeiro dia de escola fui acompanhada pela minha mãe. Depois fui uns dias com o meu irmão. Porém, logo nos organizámos, na própria turma, para irmos em grupo.   Algumas das minhas colegas vinham de bastante longe, a pé, da parte mais agrícola. Eu esperava à porta pela Dora, que vinha das Arroteias, e logo chegava a Décia, que vinha do Bairro Paixão (creio que era a que vinha de mais longe, minha irmã de leite), e juntávamo-nos à Manuela, que já nos esperava na rua em frente, e a Lígia e a Nélia, que moravam logo a seguir, e por aí fora (desculpem-me se não digo o nome de todas).   

  

Nem sei como geríamos o nosso tempo sem ter um único relógio, pois esperávamos umas pelas outras, ainda brincávamos pelo caminho e chegávamos obrigatoriamente a horas à escola, ou seríamos castigadas. Porém, muitas das brincadeiras, como jogar à “apanhada” no meio dos campos de trigo, para desespero dos seus donos, apanhar grilos, apanhar amoras, “roubar” marmelos e cenouras, colher “azedas” para chupar, e muitas outras peripécias que as crianças de hoje nem imaginam o que são, eram levadas a cabo no regresso a casa.

 

Mal entrávamos na sala de aulas, tínhamos de nos sentar, e levantávamo-nos quando a professora entrava, dizendo em coro perfeito “bom dia, senhora professora!”. Depois cantávamos o Hino Nacional, em pé, voltadas para a fotografia de Salazar, que estava imponentemente emoldurado sobre a lareira existente num dos cantos da sala de aula. Com regularidade, o Padre da Paróquia (Padre José Feliciano) ia visitar-nos à sala de aulas, e verificar se todas frequentávamos a catequese. Eu gostava da catequese, porque contavam histórias que eu achava muito bonitas, de tempos e lugares longínquos, e além disso ainda fazíamos jogos e outras brincadeiras, mas o Padre Zé, com as suas mãos enormes e longa batina preta, sempre me inspirou algum medo, pelo menos até ser mais velhinha.

 

As diferenças eram não apenas a nível do sistema de ensino, como de conteúdos. Por exemplo, todos os principais rios, serras, cidades do país e do mundo - pormenorizadamente de Portugal continental, das ilhas dos Açores e da Madeira, bem como das colónias ultramarinas, de onde tínhamos até de saber os principais trajectos e estações dos caminhos-de-ferro; sobre os rios tínhamos de saber onde era a nascente, onde passavam, os afluentes (e onde estes nasciam) e a foz; aprendíamos ainda todos os distritos e suas capitais, bem como os concelhos; a tabuada era “cantada” até ser sabida de cor; aprendíamos os tipos de tecidos e como eram obtidos (linho, algodão, seda); os diversos climas que existiam em cada zona do país e suas características; e muitas outras coisas que actualmente já não constam no ensino básico. Para os que tinham mais dificuldade em aprender, ou cometiam mais erros de ortografia, ainda existia o castigo das reguadas. Tinha colegas que eram verdadeiras mártires da régua e do ponteiro.    

                                                     

O recreio da escola dava directamente para uma grande quinta, atravessada por um riacho. Era fácil saltar o muro e ir apanhar rãs, ou mesmo, numa escapadela mais longa, chegar até ao rio, que era logo ali…

 

Em Alhos Vedros só tínhamos a Escola Primária. Para continuarmos a estudar, Ciclo Preparatório e Secundário, tínhamos de ir para o Barreiro. Isto era válido para as crianças que viviam desde o Montijo até ao Barreiro. Assim, aos 10 anos eu fui sozinha de autocarro para o Barreiro. Devo dizer que esta primeira viagem sozinha me deixou aterrorizada, com medo de perder a paragem e não saber o caminho. Mas muito rapidamente nos organizámos para passarmos a ir em grupo, já que várias das minhas colegas da escola primária seguiram o mesmo caminho, mesmo não estando na mesma turma que eu. Apenas após o Ciclo Preparatório se seguia para o Liceu ou para a Escola Comercial e Industrial, e aí é que nos separávamos verdadeiramente.

 

No Ciclo Preparatório tínhamos aulas com rapazes, que ficavam no fundo da sala, e as raparigas à frente (continuávamos depois com o mesmo sistema no Liceu, após o 2º ano do Ciclo Preparatório). Quando entrávamos e saíamos, tínhamos de fazê-lo em separado, dois a dois, em fila, e as raparigas não podiam falar com os rapazes, que seguiam para recreios separados, acompanhados ambos os grupos por contínuos. Um dia fui castigada porque saí da fila para cumprimentar o meu primo, que passava por mim na fila dos rapazes.

 

Usávamos uma bata branca com gravata verde escura, com uma risca branca no 1º ano, e duas no 2º. Se nos esquecíamos de colocar a gravata, tínhamos de sair da sala de aula, colocá-la, bater à porta, pedir desculpa pelo atraso e autorização para nos sentar.

 

Foi também no Ciclo Preparatório que comecei a ter algumas actividades extracurriculares, no meu caso pintura e o jornal da escola. O meu primeiro trabalho para o jornal foi fazer uma entrevista ao homem que vendia “Torrão e Alicante” num carrinho à porta da escola.

 

Pequenas memórias - Fernanda Gil, 2006

© Fernanda Gil.

Alhos Vedros - 2014 / 2017

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