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MÃE

Ao fim de semana costumávamos ir visitar o meu irmão, que estudava no Seminário.
 

Madrugada, esperando o comboio, vestido verde água cheio de folhinhos e um farto laço atrás...
 

Na semana anterior caíra no alguidar de água a ferver, onde minha irmã mais velha tencionava tingir uma blusa.
 

Embrulhada num lençol, minha mãe levara-me ao Hospital da vila. Não sei que força estranha me levara a nunca verter uma lágrima, as pinças a arrancar-me pedaços de carne queimada, as vozes: "Meu Deus, que menina corajosa... podes chorar se quiseres".
 

A coragem foi-se toda, quando, entusiasmada por ter uma história impressionante para contar, minha mãe me chama, em plena estação do comboio, mete a minha cabeça entre a suas pernas, e levanta-me o vestido verde água, para mostrar as queimaduras ainda frescas. Lágrimas de vergonha escorrem-me pela face, em silêncio, enquanto ouço a famosa frase: "e nunca verteu uma lágrima!!!"
 

No Seminário haveriam de me passar todas as dores, físicas e da alma. Ouvir o meu irmão a cantar, passear às suas cavalitas pelos lindos jardins...
 

À noite, cansada, a minha mãe bem disposta, conversando com o meu pai, cheguei-me de mansinho: "mãe, não quero mais vestir este vestido"
 

A minha mãe sabia bem da minha aversão por vestidos, mas ainda estavam por curar as feridas da queimadura recente. Mulher de parcos gestos de carinho, não queria estragar um dia que para todos fora maravilhoso. "Vai-te deitar, vai!"
 

Haveríamos de passar muitos episódios de força e coragem juntas, eu e minha mãe. Nunca hesitou um segundo em tomar a decisão que se impunha em cada momento. Os 7 filhos que deu a este mundo sentiram sempre que ali tinham o ponto de apoio incondicional que jamais lhes faltaria.
 

Onde quer que estejas, mãe, ainda conto contigo!


4-05-2014
 

© Fernanda Gil.

Alhos Vedros - 2014 / 2017

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