
OLHARES COM SENTIDOS
FERNANDA GIL
PÁGINA PESSOAL
...PARTISTE
Partem os símbolos da minha infância...um a um, lentamente...
É inevitável.
A casa onde nasci, a casa onde cresci e vivi... as pessoas que mais amei... e aquelas que fizeram parte da minha meninice...
Cada pessoa, cada símbolo importante do meu passado, da minha história, que desaparece para sempre, é como se fosse um pedaço de mim que desaparece também, arquivado na gaveta das memórias que não poderão jamais ser revistas.
Há por vezes esta necessidade de revivermos o passado, reconstruirmos memórias, para que a nossa história faça sentido. Para que o nosso eu faça sentido. Afinal, é tudo o que somos.
Há alguma angústia nesta despedida… em cada despedida.

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
às vezes não é fácil ser mãe
mas mãe não desarma, não abandona
mãe está sempre presente
mãe tenta sempre entender
e mesmo quando não entende, aceita
e sabe perdoar
mãe é muitas vezes o único apoio que nos resta
o único abraço que nos protege
a única palavra que nos consola
tenho saudades, mãe...

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
Há lágrimas que calamos dentro de nós
Há lágrimas que nos doem e corroem
Há lágrimas que não nos enchem os olhos, não nos molham as mãos
Há lágrimas que nos apertam o coração

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
Ainda nós nos perdemos em bocas e brincadeiras, já Ti Agusta avança na fieira da vindima. Sem palavras, sorriso nos lábios, lá vai, enquanto nós nos esfalfamos por encher o balde que a cada um compete.
É a primeira a começar, a última a largar.
"Venha comer qualquer coisinha, Ti Agusta! Ti Agusta!!!"
Levanta a cabeça, sorri, e lá vem, depois de já todos terem parado. É também com um sorriso que acede a tirar umas fotos de grupo. Um pouco impaciente. Ainda há muita uva para vindimar.
Ti Agusta, aspecto frágil, mulher simples do campo, mulher guerreira.

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
Eram tempos duros mas de muita alegria. De família grande e unida.
Os primos, todos à volta da minha idade, vinham para a minha casa, e passado mais ou menos um mês, íamos todos para a quinta do tio Carlos.
As férias eram esperadas com ansiedade, e as aventuras vividas pelos primos ficariam para a posteridade, não fora dois terem partido cedo demais.
As tarefas agrícolas tomavam um tempo mínimo no todo das brincadeiras, das vivências, do conhecimento absorvido no campo e no rio.
Nada nos faltava nesses anos felizes da infância.
Hoje já poucos restamos para contar a história.
Um a um, têm partido os símbolos, os heróis da minha infância.
Hoje partiu mais um: o meu tio Carlos. Alto, garboso, bem disposto. Sorriso fácil.
Amanhã acompanhar-te-ei até à tua morada, mas estarás sempre no meu coração.
Até sempre, tio!

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil
É um Outono triste. Dessa tristeza que nos vem das entranhas e nos rasga a alma.
Não tive coragem de te ver enquanto ainda tinhas alguma vida nesse corpo, agora tomado pela dor, dormitando, sedado, dominado pelo sofrimento.
De uma infância passada num tempo de risos e encantos, recordarei para sempre quem foste e não o estado em que partes. Não me serve de consolo. Não fui capaz de te transmitir o amor que sempre senti, receando transmitir-te apenas a dor que agora sinto.
Queria fazer por ti o que ninguém pode, fora eu possuidora de poderes especiais para vencer essa maldita doença que tão súbito te atingiu.
Não somos nada. O tempo é apenas tempo, os dias passam sem que tenhamos controle em nada. Apenas pensamos que temos. E quando menos esperamos, a vida encarrega-se de nos chamar à razão, da pior forma.
Dir-te-ei adeus, ainda assim sem ter a coragem de olhar esse teu rosto que já não é o teu, essa boca sem o riso que sempre a marcou, esses olhos que nunca mais olharão o mundo.
Oxalá pudesses perdoar-me, mas isso agora é o que menos importa...
Eu... eu não me perdoo, e mesmo assim, sei que não terei coragem. Apenas choro a dor que sentes, a vida que te foge, sentindo-me incapaz e impotente.

Fotografia: Fernanda Gil
Texto: Fernanda Gil