
OLHARES COM SENTIDOS
FERNANDA GIL
PÁGINA PESSOAL
A SOCIEDADE ONDE VIVEMOS

Fotografia: Fernanda Gil
A Teia
Criaram-nos uma situação em que durante anos e anos fomos literalmente obrigados a comprar casa para morar (não havia casas para alugar, de todo!), contrair dívidas, porque associado às casas vêm impostos, taxas, seguros, condomínios e muito mais. Conquistámos alguns benefícios sociais. Ia dando para viver. Neste momento muitos de nós apenas sobrevivem.
A maioria não tem quaisquer interesses na vida, leva uma vida estúpida.
A par disso, vê-se a perder o poder de compra, o dinheiro e os direitos laborais e sociais. De repente não pode pagar a casa, não tem dinheiro para comprar comida para os filhos, nem roupas, nem materiais escolares. Penhoram-se salários por dá cá aquela palha, e muitas vezes indevidamente.
A Justiça não funciona para os mais pobres. As leis não são feitas para ninguém que não tenha dinheiro para pagar um bom advogado durante anos! E passamos a não ter também capacidade para pagar médicos, exames, medicamentos. Quando estamos mais debilitados, quando mais precisamos. Não há qualidade de vida, há desespero. As pessoas bloqueiam de tanta angústia. Tornam-se agressivas com quem os rodeia.
É um processo longo, tentar recuperar alguma vida que perderam. Pedem empréstimos para pagar dívidas que se acumulam, e o buraco é cada vez mais fundo. Quando chegam a pedir ajuda, muitas vezes já é tarde, a situação é desesperada. Quem ajuda? os centros sociais, porque o estado e os banqueiros apenas afundam toda a gente cada vez mais. Não importa se é idoso, se é casal com crianças, se trabalha ou está desempregado. Se trabalha não recebe um ordenado digno que dê para viver, se está desempregado, tornam tudo tão difícil que fazem os possíveis por a pessoa deixar de receber subsídio, para além de não ajudarem rigorosamente nada a arranjar emprego.
Há cada vez mais pessoas que têm de pedir falência pessoal, porque são atacadas por finanças, segurança social, bancos, e todos os abutrezinhos que vêm por acréscimo (há sempre quem se dê bem à custa da desgraça alheia, está-lhes no sangue).
Isto são realidades com que me tenho deparado no dia-a-dia, na vida real, no centro social e no trabalho. E não é de agora. É de há anos. O problema é que muita gente só acordou quando lhes tocou. Porque não olham sequer para o familiar, para o amigo, para o vizinho com olhos de ver.
Por isso insisto tanto que as mentalidades têm de ser mudadas. Nada mudará neste país se continuar esta forma egoísta de viver o social, o conjunto. Esta falta de respeito pelo outro enquanto ser humano.
Quem está menos debilitado, os que são mais fortes, têm de arrastar os outros nesta mudança. Mas com alguma compreensão, bondade e aceitação no coração.
As práticas asquerosas têm de acabar, porque o inimigo não é o familiar, o colega, o vizinho: tem de acabar a maledicência, a falta de ética, a falta de princípios, a humilhação do mais fraco, porque estas são coisas do dia a dia entre nós e por todo o lado. São coisas do trabalho, da família, dos amigos, da colectividade, da escola, da repartição, do posto médico, do hospital... E assim não chegamos a lado nenhum! Ninguém se une com este espírito! E nós precisamos de nos unir se queremos mudar alguma coisas neste país!
É urgente tomarmos consciência de que temos de mudar mentalidades, e temos de começar por nós próprios!
Simples reflexões....
Fernanda Gil / Fevereiro 2014