
OLHARES COM SENTIDOS
FERNANDA GIL
PÁGINA PESSOAL
APENAS MAIS UM DIA....

Fotografia: Armando Romão
A chegada de um novo ano não passa, afinal, de um novo dia. Um dia único, irrepetível, como são todos os dias da nossa existência.
Cada dia em que acordamos, renascemos, renovamo-nos, deixamos para trás o ontem que já é passado, como passado será o 2015, agora ainda presente, mas apenas agora. Não é apenas o ano que não volta mais, é cada momento, cada dia, cada oportunidade. O que foi não volta; mesmo que pareça voltar já será diferente. Irremediavelmente diferente. Único.
Não há grande excitação na entrada de um novo ano. Tanta quanto a chegada de uma nova noite, que até poderá ser diferente mas não (ou sim) memorável como terão sido muitas outras noutros dias memoráveis.
Penso nos meus amigos que não estão bem todos os dias. Desejo que fiquem bem todos os dias. Penso em todos os outros, e desejo o melhor para eles todos os dias. Sinto-me feliz quando os que amo estão felizes. Sinto-me feliz até quando vejo alguém feliz que não conheço.
Há algo no futuro que é sempre uma incerteza, e isso não tem nada a ver com a passagem de ano. O futuro é já daqui a pouco. O tempo vive-se dia após dia. Vive-se cada momento sendo o momento seguinte uma incerteza.
É, de certa forma, essa incerteza que nos move, que nos faz criar, desenvolver, porque ao fazê-lo estamos a tentar que a sequência seja algo sempre melhor. Temos a ilusão de que estamos a construir o nosso futuro, todo muito certinho. E construímos. Construímos o futuro com base em premissas que podem mudar a qualquer instante, muitas vezes sem que possamos ter qualquer intervenção nessa mudança. É, de alguma forma, assustador. Porém, para alguns representa a adrenalina que alimenta os seus passos. E fica sempre algo do que construímos...
Felicidade é apenas um conjunto de pequenas coisas que nos fazem sentir bem e que superam um conjunto de coisas que nos fazem mal e sempre vão acontecendo também.
Relativizar é, talvez, o segredo. Mas o sentirmo-nos felizes pode ser tão fugaz como o simples gesto que nos provocou esse sentimento de bem estar. Depende do conjunto de pequenas coisas que já conseguimos observar, sentir, e acima de tudo valorizar.
Há muita gente que não dá valor às pequenas coisas. Pensam que a felicidade é constituída apenas por grandes vitórias. Muitas vezes a seguir a uma vitória muito desejada há um sentimento de vazio. Provavelmente, não soubemos relativizar o valor das coisas. Não soubemos dar o devido valor às pequenas coisas que entretanto nos poderiam ter feito sentir muito bem, e que permaneceriam mesmo que não conseguíssemos essa grande vitória. Provavelmente sobrevalorizámos o objecto do nosso desejo de vitória.
Considero-me uma pessoa de sorte, apesar de tudo. Tenho os melhores amigos que alguém pode ter. Penso que também sou uma boa amiga. E tenho esta capacidade imensa de ouvir, de ver e aprender. De querer. De não desistir facilmente.
Quero com isto dizer que, não obstante as coisas más que possam acontecer, e sempre acontecem, o importante é termos a capacidade de tirar o melhor do que vivemos, sabermos apreciar cada momento que a vida nos oferece.
E talvez ter a capacidade de perdoar. Creio que tenho a capacidade de perdoar, mas pouca capacidade de esquecer. Por vezes as memórias são terríveis, e não sentimos exactamente o que gostaríamos de sentir. Em relação ao passado ou em relação às pessoas. Mas, sendo sincera, com a idade que tenho acho que já posso dar-me o direito de não ter paciência para aturar eternamente o mau carácter, a inveja, o ciúme ou a falta de respeito seja de quem for.
Hoje sei que conquistei o meu espaço. Pouco a pouco, sem ter esse propósito. Apenas dando e recebendo. Apenas sendo eu própria. Em diversas áreas que me fazem feliz, pedacinho a pedacinho. Esse é o espaço que é importante para mim, o resto pouco importa. A vida não é perfeita, nós também não somos, ninguém é.
Uma das coisas mais importantes da vida são os amigos. Não vivemos sós no mundo, portanto são importantes as relações que nos fazem bem. E as pessoas que vão cruzando o nosso caminho por bem, mesmo não sendo propriamente amigas, e às vezes, sequer conhecidas.
Na realidade, o novo ano da minha vida iniciou-se há duas semanas atrás, quando completei mais um ano de existência. Poderia ter sido apenas mais um dia, início de um novo ano, mas não foi. Fez-me muito bem, foi memorável. Tive família e amigos a meu lado, de forma quase inesperada. Que há muitos anos não tinha. Único na sua essência. Talvez tenha quebrado um ciclo que durava há demasiado tempo.
O meu coração é feito de sorrisos. Feito de abraços. De gestos mágicos. De emoções fortes. De sentimentos profundos. De sonhos realizados. De pensamentos positivos. De arco-íris de luz.
É no meu coração que cabem todos os que amo, todos os que me têm acompanhado neste caminho por vezes muito árduo, mas onde acima de tudo permanece a alegria de viver!
É também no meu coração que cabe a enorme gratidão que sinto por ser quem sou e por todos vós que me acarinham, incentivam e me dão força para continuar!
29-12-2015

Fotografia: Joaquim Baltazar