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PALÁCIO DA COMENDA

Há coisas que nos acompanham ao longo da vida no nosso mundo dos sonhos - é o caso do Palácio da Comenda.

Erguendo-se altivo numa encosta da Arrábida, olhando sobre o Sado, Albarquel e Setúbal, e para a serra no outro (as primeiras 3 fotos do álbum não são minhas, obviamente, foram retiradas da net), sempre me lembro de frases como: "ali é que eu gostava de morar"; "quando me sair o euromilhões compro aquela casa"... e hoje, quando finalmente lá entrei senti um aperto no coração pelo estado em que o encontrei, ao mesmo tempo que me maravilhava com a forma espantosa como cada canto daquela casa foi aproveitada, como seja de onde for que olhemos, uma janela, uma varanda, o jardim, a vista é sempre soberba...

HISTÓRIA

 

A história da Quinta da Comenda remonta à época romana, segundo aponta o memorando técnico com base nos vestígios encontrados na região.  Aliás, revela o documento que na serra da Arrábida existem ainda vestígios de "numerosas cetárias", tanques retangulares destinados à salga de peixe e marisco.
 

Bem mais tarde havia de aqui nascer a torre de vigia de Mouguelas (cariz medieval), sendo então conhecida como Comenda de Mouguelas,  e já no século XIX uma primeira casa de habitação, construída sobre a própria estrutura abaluartada da Plataforma de São João. 
 

Na sua edição de 18 de Março de 1877, o jornal Gazeta Setubalense informava: “Esteve quinta-feira nesta cidade o sr. Conde Armand, distinto diplomata, ministro da França em Lisboa. S. Exª foi visitar a pitoresca propriedade que possui no sítio da Comenda.” A dita propriedade estava na posse do francês Armand desde o início de Março de 1872 por compra que este fizera a Henrique Maria Albino, morador em Beja, por “cinco contos de réis”. Ernest  Armand, viúvo, era o representante do governo francês em Lisboa. Em 1870, alugara o Palácio de Santos para aí instalar a Legação francesa, imóvel que o governo francês acabaria por comprar em 1909, aí mantendo a sua representação, mesmo depois que a Legação foi elevada ao nível de Embaixada em 1948.
 

Duas décadas depois da notícia da Gazeta Setubalense, em Março de 1898, o Conde fez uma doação ao filho, Abel Henri George, Visconde Armand, residente em Paris, aí incluindo o terreno da Comenda. Passaram cinco anos e o jornal A Construção Moderna, de 10 de Agosto de 1903, publicou o texto “Casa do Exmo. Sr. Conde de Armand na Quinta da Comenda em Setúbal – Arquitecto sr. Raul Lino”, aí dando a conhecer o projecto da obra que viria a erguer-se: “A construção é feita num pequeno promontório, de luxuriante vegetação, sobranceiro ao rio Sado, em Setúbal, posição extremamente pitoresca, como podem atestá-lo aqueles que têm visto as ridentes margens do belo rio, junto à lida cidade de Bocage. No citado promontório existe actualmente uma velha casa, cujas paredes, em parte, se aproveitam pois foram levantadas sobre as muralhas de um antigo forte. As grandes varandas da nova construção deitam para sobre o rio.” Em anexo ao texto de apresentação vinham os desenhos da casa, com as quatro fachadas e as plantas do subsolo, do rés-do-chão e do primeiro andar.
 

Conta-se que o Conde Armand pedira a Raul Lino (1879-1974) para desenhar a casa, convite acompanhado de uma sugestão singular: que, antes de começar a projectar a construção, o arquitecto dormisse no sítio uma noite ao luar. O repto foi aceite e o resultado foi o palacete da Comenda, que teve a responsabilidade da construção civil nas mãos de Augusto Vitorino da Rosa. Na edição de Junho de 1908, a revista A Arquitectura Portuguesa publicava um texto assinado por Henrique das Neves, em cujas três páginas (mais duas com estampas devidas ao fotógrafo sadino Manuel Rodrigues Aldegalega) era feita a apologia das linhas: “Eis uma casa de habitação em cujo traçado colaboraram não somente o intento do seu destino, como também a região, o clima e a paisagem”.
 

A apreciação do autor resultou de um passeio que ele fizera até ao Outão na companhia de Ana de Castro Osório, tendo o enquadramento suscitado o espanto: “Na curva da estrada que decorre sobre um outeiro e oferece o melhor ponto de vista sobre o chateau do sr. Conde, estacionou o trem; e ali nos demorámos, absortos, a ver, a admirar e a invejar. Ele ergue-se aprumado airosamente como a Torre de Belém, mas sobranceiro ao rio Sado, destacando a sua alvura contra os tons: verde-bronze da vegetação, sanguíneo da argila do solo e azul das águas do rio. Como o olhar se me absorvia naquelas varandas! E o gozo espiritual que acordavam em mim!” Depois de algumas considerações sobre arquitectura em Portugal, o autor acentua as características que foram desejadas pelo proprietário do solar e da quinta: sujeição a muralhas e paredes que já lá existiam, cobertura com “telha nacional, em forma de canal” e linhas simples de forma a ser exaltado o enquadramento natural.  Os painéis azulejares são da autoria do ceramista José António Jorge Pinto e decoram diferentes áreas do edifício.
 

O palacete que Raul Lino projectou para a Comenda inseria já algumas das linhas que viriam a definir a arte do arquitecto: o respeito pela Natureza e o equilíbrio entre a construção e o lugar. O solar da Comenda foi um dos seus primeiros projectos, mas também um marco para um percurso que assinou obras como o Cine-Teatro Tivoli (Lisboa, 1919-1924), a Casa dos Patudos (Alpiarça, 1905) e muitas outras construções, sobretudo na zona de Sintra e Estoril. Em Setúbal, o nome de Raul Lino esteve também ligado ao projecto de reconstrução do edifício dos Paços do Concelho, na Praça de Bocage (destruído por um incêndio na noite de 5 de Outubro de 1910, a reconstrução, que Raul Lino foi convidado para projectar em 1927, foi concluída em 1939).
 

O Conde Armand, Abel Henri George, faleceu no final de Abril de 1919, passando a propriedade para os herdeiros – a esposa, Condessa de Armand, Françoise de Brantes, e cinco filhos. Mais tarde, em 1952, o registo da propriedade era feito em nome da Sociedade Agrícola da Quinta da Comenda de Mouguelas, constituída pelos descendentes de Abel George.
 

No Verão de 1965, a Casa da Quinta da Comenda, em plena serra da Arrábida, recebia dois dos seus mais ilustres visitantes. Lee Radziwill, irmã de Jacqueline Kennedy, viúva do presidente norte-americano J.F. Kennedy, e o seu inseparável amigo, o escritor Truman Capote. Era habitual a família Armand ceder a casa - conhecida como Palácio da Comenda - a personalidades ilustres do círculo da melhor aristocracia europeia e portuguesa. Afinal, a quinta estava debruçada sobre uma das "melhores costas mediterrânicas", comparada à época com a Sardenha ou a Côte d"Azur, mas com a vantagem de oferecer os mesmos esplendores estivais num ambiente "muito mais pacato e tranquilo".
 

Nos anos 80, a Quinta da Comenda seria adquirida por António Xavier de Lima, que, em conversa com o jornal O Setubalense, publicada na edição de 17 de Abril de 1989, dizia: “Enquanto a Comenda for minha, nenhuma árvore será derrubada”. Com efeito, uma das apostas levadas a cabo pelo Conde Armand no início do século XX foi o da riqueza da flora, quer pela preservação das espécies existentes, quer pela plantação de outras – Henrique das Neves chamava a atenção no seu artigo para o parque que o Conde pretendia construir e para uma plantação “de cerca de 1000 pés de palmeira” que tinha visto a cerca de um quilómetro da residência da Comenda.
 

O Palácio é composto por cinco pisos, tendo sido alvo de diversas intervenções de beneficiação, tanto a nível da fachada, como do interior. Todos os pisos estão ligados verticalmente por duas escadarias, uma de serviço que corre todos os pisos, e outra de ligação entre o 1º Piso e o 2º Piso, ligando a área social aos quartos privativos.

Rés-do-chão

No piso térreo do Palácio está instalada a cozinha, totalmente equipada, bem como área destinada à recepção, casa da caldeira, diversos quartos, quartos para arrumos, dois WC’s e um elevador de ligação às cozinhas entre o R/C e o 1º piso.

1º Piso

No primeiro piso existe o hall de recepção, com azulejos pintados à mão e tecto em madeira, três salões com tectos trabalhados, lareira e varanda com vista para o mar, uma suíte com três quartos com lareira e WC privativo, um WC comum e a escadaria em madeira de acesso ao piso superior, onde estão os quartos.

2º Piso

No segundo piso estão instalados seis quartos com WC e uma suíte com dois quartos, uma lareira e um WC duplo.

3º Piso

No terceiro piso existem dez assoalhadas e dois WC's.

4º Piso

Miradouro - existe um salão que assume a função de miradouro, proporcionando uma vista magnífica

Praia privativa
 

Actualmente, a Casa da Quinta da Comenda, conhecida como Palácio da Comendana, na Serra da Arrábida, está em fase de classificação do edifício como Imóvel de Interesse Municipal.

A proposta da Câmara Municipal de Setúbal  alerta que a Casa da Quinta da Comenda, além de obras “descaracterizadoras, mas completamente reversíveis”, após a transferência da propriedade nos anos 80 da família Armand para António Xavier de Lima, entrou, desde a morte deste, num “processo de abandono e degradação que se considera urgente reverter”.
 

Fontes: Câmara Municipal de Setúbal, João Reis Ribeiro, Outros

© Fernanda Gil.

Alhos Vedros - 2014 / 2017

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