
OLHARES COM SENTIDOS
FERNANDA GIL
PÁGINA PESSOAL
CHUVA

Fotografia: © Valentina Stan
Vou à janela e está um vendaval dos diabos. Nuvens negras, carregadas de chuva, mas penso: "talvez dê para chegar à estação".
Preparo-me para a intempérie que se adivinha... Gabardine, naahhh, é demasiado fria; este é demasiado curto; ok, este se calhar é demasiado quente, mas é impermeável e tapa mais. A mala (como é que a mala pode pesar tanto?!), as botas, tenho de calçar botas!, e o guarda-chuva.
Mal ando uns metros, desaba uma chuva torrencial batida a rajadas de vento fortes e descoordenadas. Ando o mais rapidamente possível, mas a chegada à estação não me serve de muito - desde que destruíram a antiga (linda) estação, que tinha uma sala de espera onde nos podíamos sentar e abrigar, temos uma moderna e inconveniente, como tudo o que têm construído nesta terra ultimamente. Sem quaisquer condições, o vento e a chuva invadem tudo, não há onde nos protegermos a não ser no pequeno espaço da entrada, onde se acumulam, quase ombro a ombro, aqueles que têm de usar o transporte público para ir trabalhar.
Nos 5 minutos de balançar morno dentro do comboio, acalmo um pouco.
Sair da nova - igual - estação é uma aventura. O vento bate fortíssimo, a chuva não perdoa, e a inevitável poça que tenho de atravessar para ir para o meu caminho no lado contrário, também não. Olho o elevador, hesitante. "já fiquei presa aqui uma vez, vamos a ver se funciona!" - diz uma. "Eu também, mais de uma hora aqui presa... nada agradável" - diz logo outra. Ok, eu também já assisti aquilo parado a meio, repleto de gente em pânico... As escadas cheias de água a escorrer por ali abaixo, sem abrigo à chuva e ao vento acabam por ser a melhor opção.
A saída do túnel que se segue dá para um passeio demasiado estreito, acompanhado de enormes poças de água por onde todos os carros parecem tender a passar em alta velocidade só com o intuito de nos amandar com chapadas de água lamacenta em cima. Já não basta a chuva que não para, o guarda-chuva que não aguenta o vento...
Vêm-me à cabeça as pessoas que dizem estar fartas de sol e que adoram chuva e frio. Penso que só podem ir de carro directamente de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Provavelmente estacionando-o o mais perto possível da porta, mesmo que isse implique ocupar o passeio. E mais logo, eu, quando for buscar a minha neta tentando fugir da chuva e protegê-la a ela, terei inevitavelmente de ir para o meio da estrada, pondo ambas em perigo, porque muitos não quiseram molhar-se e ocuparam o espaço daqueles que têm de andar a pé.
Com esta sensação de desconforto, humidade e frio, entranhada no meu corpo, inicio mais um dia de trabalho....
Fernanda Gil / 2012